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sábado, 23 de março de 2024

MÁRIO BRITTO SE EXPRESSA INFLUENCIADO PELA POP ART

Mário tendo atrás  obra de 
sua autoria de uma mulher
oriental.
O artista baiano Mário Britto é pintor, desenhista, ilustrador, muralista, restaurador e educador. Desde os quatro anos de idade que começou a desenhar e era um preocupação para a família porque se tivesse um lápis ou uma caneta nas mãos ia desenhando em tudo que encontrasse pela frente. Em sua casa tinha um conjunto de móveis forrado de napa  e ali ele se jogou e desenhou tudo que vinha na cabeça. Seus pais ficaram aborrecidos, mas o seu talento foi defendido por um tio que era arquiteto e trabalhava na tradicional Loja Oswaldo Araújo, que vendia materiais para arquitetos e engenheiros, situada na Rua Carlos Gomes, no Centro de Salvador-Ba. Seu pai tinha uma pequena escola chamada de Instituto Nossa Senhora Auxiliadora, que funcionava num imóvel perto do cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação, e foi lá que concluiu seu curso primário e o ginasial na Escola São José, localizada na Rua da Imperatriz, e em seguida foi fazer o segundo grau no João Florêncio Gomes, no bairro Ribeira, em Salvador-Ba. Sua família morava próximo no bairro da Boa Viagem onde passou sua infância, mas confessa que não teve muita liberdade porque seus pais não deixavam que fosse brincar na rua com receio da violência, que já começava a assustar as famílias baianas. Seu pai tinha a escola, mas também exercia a função de escrivão na Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia. Talvez pela proximidade com as ocorrências policiais ele protegia mais os filhos e evitava muita exposição nas ruas. Já sua mãe Noely Pessoa Gomes era enfermeira e trabalhava no Hospital das Clínicas, da UFBA.
Vemos uma bela natureza morta
onde a leveza encanta os olhos.

O seu tio Wilson Pessoa Gomes passou a lhe fornecer cadernos e lápis de cor para que desenhasse até que ao terminar o segundo grau no Colégio João Florêncio Gomes, no bairro da Ribeira, em Salvador-Ba, ele decidiu que queria fazer vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Porém, seu tio e os pais pressionaram para que fizesse para arquitetura, e assim ele se inscreveu e foi aprovado na segunda opção que foi Geografia. Em 1989 o vestibulando tinha que colocar três opções quando iria fazer o vestibular. Começou a frequentar, mas sentiu que não era a sua praia porque o que mais lhe assustou é que o curso de Geografia tinha muita Matemática, disciplina que muitos evitam. Porém, saía todos os dias de casa para a faculdade e pouco frequentava as aulas de Geografia. Isto até que o ano acabou e sem ninguém saber se inscreveu para um novo vestibular desta vez para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, sendo aprovado e foi aí que realmente se encontrou com seus desejos e aptidões.

                                                        SONHO REALIZADO

Página do Jornal A Tarde
 da História em Quadrinhos
da Batalha de Pirajá.
Disse Mário Britto que aí seu sonho começou a se realizar e lembra que teve bons professores como a Graça Ramos, os saudosos Ailton Lima e Riolan Coutinho, dentre outros. Seu gosto pelo desenho o ajudou nas disciplinas e sempre era um dos mais destacados nos exercícios e trabalhos da EBA, onde se formou em 1995. Mas, ao terminar a Escola de Belas Artes e foi enfrentar o mercado sentiu muito as dificuldades e a falta de apoio que encontram os jovens artistas em nosso país, e particularmente na Bahia. Lembro que nos anos 70 e 80 existiam em Salvador-Ba um número considerável de galerias e outros espaços culturais que davam oportunidades aos jovens artistas, inclusive buscavam empresas para ajudar no patrocínio do convite, do coquetel e outras despesas para a realização de uma exposição. Fez trabalhos de restauração em obras de arte da Associação Comercial da Bahia dentre outras e também algumas curadorias.

O Mário Britto fez sua primeira exposição na Galeria do Aluno  da EBA, em 1993, local onde os alunos  dão os primeiros passos visualizando o aprendizado e o mercado de arte. Nesta estreia eles vêm a reação do público, os elogios fáceis de parentes e amigos e algumas críticas positivas ou não para que possam corrigir e melhorar seu desenho, sua pintura. Porém, com Mário aconteceu diferente porque quando ele ainda estudava o primário da Escola Sítio da Petizada, com onze anos de idade   participou de um concurso promovido

Obras de Mário Britto com
rostos de mulheres,tema que
ele aprecia muito pintar.
pela rede de supermercados o Paes Mendonça, que era proprietária dos principais mercados de Salvador, e foi vencedor . Isto foi no ano 1979 quando a rede de supermercados foi inaugurar a loja no bairro do Pirajá, local onde se desenrolou a famosa Batalha de Pirajá ocorrida em 8 de novembro de 1822. Porém, os baianos só expulsaram definitivamente os invasores portugueses em 2 de julho de 1823, consolidando definitivamente a Independência do Brasil. A empresa de publicidade Publivendas que atendia a conta do Supermercado Paes Mendonça, dirigida pelo saudoso Fernando Carvalho, teve a ideia de realizar este concurso e a premiação era uma viagem à Disney do estudante vencedor oriundo de um colégio público com direito a levar um acompanhante com todas as despesas pagas pela empresa. Era um concurso de redação sobre a Batalha de Pirajá. Porém, o Mário Britto teve uma sacada diferente e fez seu trabalho com uma História em Quadrinhos contando a saga dos baianos naquela batalha sangrenta onde saíram vencedores. A comissão gostou da ideia e o premiou.
Como podemos observar Mário Britto tem uma predileção por pintar a mulher  me disse que isto acontece devido "a beleza, a plasticidades  e a inteligência das mulheres". Fez algumas exposições com a temática baseada na pintora mexicana Frida Khalo e devido a ter feito essas exposições homenageando a feminista alguns insistiam em chamá-lo de "o pintor de Frida Khalo", coisa que ele acha normal, mas não concorda porque sua obra é  versátil e abrangente.Todo seu processo pictórico parte do  imaginário , mas ele tem uma pegada de influência da Pop Art que surgiu nos anos 50 e se espalhou pelo mundo tendo o Andy Wahol como um dos seus mais conhecidos representantes. Este movimento se  identifica com temas relacionados ao consumo, a publicidade e ao estilo de vida americano. No entanto, esta denominação surgiu em 1950 na Inglaterra. Vemos portanto, que as mulheres de Mário Britto têm uma semelhança com personagens de Histórias em Quadrinhos e desenhos publicitários. O colorido é forte, os traços livres e um pouco caricaturescos, mas a sua arte tem a influência também na cultura baiana . É preciso ter um bom domínio do desenho para se chegar a este nível de pintura.

                                                                         GALERIA 13

Mário Britto ao lado do galerista
e performático Deraldo Lima
.
Foi a icônica Galeria 13 localizada na Rua das Laranjeiras, 13, no Centro Histórico de Salvador-Bahia criada pelo artista  performático Deraldo Lima onde ele fez a primeira exposição num espaço comercial. É bom dizer que o Deraldo quase não queria receber nada dos artistas, era um homem completamente desconectado com dinheiro. Gostava de estar no meio dos colegas artistas e sempre procurava fazer suas performances e até chegou a pintar. O Mário Britto faz questão de dizer que Deraldo Lima foi fundamental para que ele continuasse como artista porque “a Galeria 13 era um espaço democrático e lá a gente encontrava muitos colegas e também alguns malucos do bem! O Deraldo Lima confiou no meu trabalho, sendo eu um artista iniciante, e quando vendi algumas obras ele não queria receber a comissão, mas fiz questão de pagar, porque sabia da dificuldade e dos custos para manter uma galeria em funcionamento," disse Mário Britto. 

Xilogravura colorida 
de Mário Brito.

“Depois fiquei sabendo que ele tinha herdado uns imóveis na área e que recebia aluguéis, mas  resolveu vende-los e comprou um sítio no subúrbio nas bandas de Periperi. Porém, anos depois ele vendeu e retornou para o Gravatá, que foi onde permaaneceu  morando por mais tempo em Salvador. Infelizmente foi consertar o telhado e subiu numa escada e terminou caindo e falecendo desta queda”, disse Mário Britto.

Fez exposições individuais: 2018 – Bazar /Artes do Artista Visual Mário Britto, na Galeria Pousada Solar das Artes na Rua das Laranjeiras, Pelourinho, Salvador/Ba; 2015 – Exposição Devaneios sobre Frida Kahlo, na Pousada Solar das Artes, no Pelourinho, Centro Histórico, Salvador - Ba; 2013 – Exposição Frida Kahlo in Neverland, na Casa 14 Galeria, no Centro Histórico. Salvador – Ba; 2012 Exposição   Dois Mundos, no Teatro XVIII, no Centro Histórico, Salvador – Ba; 2011 Exposição Frida Face’s, no Teatro do Gamboa Nova em Salvador-Ba; 2008 Exposição “Frida Kahlo na Livraria  Siciliano , no Shopping Iguatemi, Salvador – Ba; 2007  Exposição Fixação e Ficções Sobre Frida Khalo, na Galeria Nelson Dahia, no espaço SENAC – Pelourinho ,  Salvador – Ba; 2006  Exposição Frida Kahlo e o Deserto de Cactos Amarelos, na Galeria de Arte Carlo Barbosa, em Feira de Santana – Ba; 2004 Exposição Revisitando Frida Kahlo, na Galeria Moacir Moreno ,Teatro XVIII, Salvador – Ba; 1998 a Exposição  Aeroanjos, na Galeria XIII no Centro Histórico, Salvador- Ba e em 1993 a Exposição Darkness, na Galeria do Aluno, Escola de Belas Artes, bairro do Canela, Salvador – Ba.

Um dos quatro murais que Mário fez
para o Shopping Liberdade em 2003.
Entre as várias exposições coletivas que participou destaco: 2020 a Expô Coletiva , na Pousada Solar das Artes, Centro Histórico, Salvador, Bahia; 2016 A Exposição Imago Mundi, por .Luciano Benetton Collection, em Veneza, Itália; 2014 - Reabertura da Galeria 13, na Casa de Batatinha, numa Homenagem a Deraldo Lima no Bar Toalhas da Saudade, Ladeira dos Aflitos, Salvador-Ba; 2010 A Exposição Divas & Amp Pin Up’s, Galeria Moacir Moreno, no Theatro XVIII, no Centro Histórico, Pelourinho, Salvador-Ba; 2009;  Exposição Melleril , Retrospectiva Sincrética, no Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira (MAC), em Feira de Santana -Ba; 2009 a Exposição APRAZ -  A paz Sincrética, na Biblioteca Juracy Magalhães Junior, Ilha de Itaparica – Ba; 2008 Exposição Coletiva Caminhos Plásticos, Casa do Benin, Salvador-Ba; 2008 a mostra  Paisagem Urbana -  Intestino da Cidade III, Espaço Solução Visual, Salvador-Ba; 2007  a Exposição Intestino da Cidade II, Curadoria  da professora Graça Ramos, na Galeria de Arte Pouso da Palavra, em Cachoeira, no Recôncavo -Ba; 2007  Exposição Intestino da Cidade, no Centro Cultural Dannemamm, na cidade de São Felix-Ba; 2007 a Exposição coletiva Transgenias Virtuosas , na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos - ACBEU – Pátio das Artes, Stiep , Salvador- Ba; 2007 - Exposição Psilocibina, Visões Sincréticas dos Paraísos Artificiais, no SESC- Casa do Comércio, Salvador-Ba;

Cartaz-convite da exposição
 Bazar das Artes.
2006 a Exposição Corpus Híbridus, Galeria do EBEC, Pituba, Salvador-Ba; 2005 a Exposição coletiva Excesso na Galeria Pierre Verger, nos Barris, Salvador-Ba; 2003 Exposição Todas as Mulheres do Mundo, Galeria do Bar Quixabeira, nos Barris, Salvador-Ba; 2000 A Primeira Mostra de Arte Solidária, no Conjunto Cultural da Caixa Econômica, Salvador-Ba; 1999 a Primeira Exposição Leilão de Arte do GACC , no Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador-Ba; 1998  a Exposição 89 Revisto, no Bar Alambique, no bairro do Rio Vermelho, Salvador-Ba; 1998   a coletiva Ave Crist , na Galeria Pedro Archanjo, Centro Histórico, Salvador – Ba; 1998  a Exposição coletiva Belos e Malditos, na Galeria XIII , no Centro Histórico, Salvador-Ba; 1997 a mostra Linguagem do Caos, na Galeria XIII; 1995 a Opus 40, no Teatro Gregório de Mattos, Salvador-Ba e em 1995 participou da coletiva Fragmentum, no Shopping Barra, Salvador – Ba. Participou ainda em 2009 dos Salões Regionais de Artes Visuais da Bahia com o coletivo Arte Sincrética, em Porto Seguro, Bahia e em 2005 do XXXI Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia.

                                                           RESTAURADOR E MURALISTA

Mário Brito pintando o mural no
porto  "Berimbaus ao Mar".
.
Já trabalhou na restauração de várias obras de arte em Salvador como na coleção da Associação Comercial da Bahia e na restauração do belo e grande painel de Lênio Braga, na Estação Rodoviária, de Feira de Santana, Bahia. Em 2004 trabalhou na restauração de imagens na igreja de São Francisco, em Salvador, dentre outros trabalhos de restauro. Executou em 2003 quatro murais nas paredes do Shopping Liberdade, no bairro do mesmo nome em Salvador -Ba com os nomes de Visões Aquáticas I e II, Baiana na Lavagem e Capoeiristas em Mosaico. Em 2002 executou um mural na parte de embarque no Terminal Marítimo de São Joaquim, em Salvador. Em 1998 participou do projeto de Execução de murais no porto de Salvador quando foi um dos selecionados pela Companhia de Navegação Baiana – CODEBA quando pintou o mural Berimbaus ao Mar.

quinta-feira, 21 de março de 2024

COLUNA ARTES VSUAIS DE 8 DE AGOSTO DE 1994 - JORNAL A TARDE- SALVADOR -BAHIA

 


sábado, 16 de março de 2024

ANA CASTRO E SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE

Ana com obra que ainda está esticada
 em seu ateliê.
Fui ao encontro de uma arquiteta inquieta e criativa que enxerga o que está acontecendo ao seu redor e também bem longe daqui. Trata-se de Ana Castro que já fez sete exposições individuais e participou outras coletivas mostrando que é preciso cuidar do Planeta e principalmente de nosso entorno onde vivemos e devemos preservar a natureza e toda sua exuberância para a nossa sobrevivência. Seu trabalho podemos dizer que é visceral, forte e único. Ela deixa de lado a sua visão cartesiana de arquiteta das linhas e espaços medidos e planejados para se jogar diante de telas brancas e grandes sem nada planejar. As ideias vão fluindo como notas de uma música que ouvimos pela primeira vez sem saber o que vem pela frente. Viajada e experiente tendo morado em várias cidades ela tem uma visão aberta para as novidades que se apresentam e como uma ave noturna prefere dar seus voos quando o sol vai se pondo até a hora que aguentar ou for necessário. 

Obra da série Soltando os Bichos, 2004.
Seu estúdio guarda obras que já deveriam ter sido expostas para dividir conosco a beleza e a grandiosidade das suas composições, das suas cores vibrantes e de suas ideias para que possamos nos deleitar e aprender com as viagens pelas paisagens do Universo Sideral, da Chapada Diamantina, e dos mares daqui e de outros lugares distantes do nosso Planeta Azul. Ela sempre quando nos apresenta toda esta gama da natureza que nos cerca chama a nossa atenção que é urgente cuidar e diz que um simples copo de plástico que deixamos cair na rua ou nas praias vai terminar poluindo nossos rios, lagos ou o mar.  Pesquisou as ilhas de plásticos que já se formaram nos oceanos e uma delas localizada no Pacifico Norte entre a Califórnia e o Havai tem 1, 6 milhão de Km quadrados de extensão, mais de dez metros de fundura e pesa 80 mil toneladas. Existem cinco ilhas de plásticos sendo duas no Atlântico Sul e Norte, duas no Pacífico Sul e Norte e uma no Oceano Índico e são dispersados microplásticos nas águas dos oceanos que se desprendem das embalagens de plásticos que se acumulam levados pelas correntes marinhas. Isto é muito prejudicial à saúde dos animais marinhos e também dos humanos.

Ana ao lado de uma tela em acílico 
da série Mixórdia, 2006.
Desde os anos noventa que trabalha com artes gráficas e digitais e até os convites de suas exposições são feitos por Ana Castro. Chegou até a trabalhar numa agência de publicidade. “Não virei artista de uma hora para outra porque desde criança que desenho, e sempre fiz algo de pintura sem qualquer preocupação profissional. Porém em 2000 decidi pintar e passei a me dedicar e não mais parei. Já se vão quase vinte e quatro anos.” É autodidata e foi fazendo esta transição de arquiteta para artista visual paulatinamente. “Ela diz que são coisas diferentes porque quando trabalha como arquiteta tem que ficar ali focada, cartesiana, muita coisa técnica e ficar ali concentrada. A arte me trouxe mais liberdade. O que pinto é o que sinto naquele momento. Não tenho um processo especial para pintar. Sou autoral”, completa Ana Castro. É como uma fotografia que eterniza aquele instante que não volta mais. Não tem aquele processo de pensar muito sobre. “Venho sentindo aquela vontade de fazer uma pintura daquele jeito e aí sento e faço.”

Obra em acrílica sobre tela, da série
 Natureza Morta, 2013.
As coisas vão fluindo naturalmente para ela como as águas de um regato descendo num vale e de repente tem uma depressão e as águas se lançam do alto até fluírem novamente, suavemente até encontrar um rio ou mar onde deságuam. Ela disse que é hiperativa e autoral, fica querendo fazer as coisas sozinhas. Mas que tem horas de mansidão,de calmaria.            Começou a pintar e desenvolver a sua linguagem com nanquim que usava na arquitetura. Não gosta de pintar em telas pequenas, porque segundo me disse lhe causa uma certa ansiedade. Já com as telas maiores se joga, se sente mais livre e viaja na sua pintura entre as cores vibrantes que se entrecruzam e criam paisagens rurais ou marítimas e até do Universo. Gosta de esticar a tela na parede e começar a pintar.

Obra inspirada no Universo da série 
Princípio Uno, 2012.
Casou em 2001 e foi morar em Petrópolis onde passou três anos. Continuou fazendo online uns trabalhos de arquitetura que tinha começado, mas lá não conseguiu continuar sua carreira de arquiteta. Ela acha que na cidade serrana carioca a sociedade é muito fechada e o novo morador não consegue um entrosamento com a facilidade com o que acontece aqui. Fez um estúdio na casa que tinha alugado em Petrópolis e passou a pintar. Ocorreu que perdeu uma irmã jovem num acidente de carro e resolveu voltar para dar atenção ao seu pai, que já tinha também perdido a esposa, sua mãe, em outro acidente de carro. Logo depois em 2004 resolveu expor as obras que tinha pintado em Petrópolis e assim o fez no período de 4 de novembro a 4 de dezembro, no Restaurante Miscelânia Chic, localizado na Rua Ilhéus, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador-Ba. Foi ela que fez o convite,
Um anjo branco da série
Mixórdia, 2006.
escolheu as fotos para ilustrar e deu o nome a mostra de Soltando os Bichos, quase uma catarse querendo passar uma borracha em algumas coisas desagradáveis que aconteceram. E conseguiu. Ela descreveu a sua mostra como “um passeio pelo imaginário, às vezes lúdico, às vezes dramático, explorando insistente e instintivamente formas, movimentos e cores. Percebendo a natureza de uma maneira simbiótica, transformando plantas e bichos, peixes em flores, num sentido metafórico, do abstrato ao figurativo. Dando vazão ao puro prazer de pintar, Bichos que existem no subconsciente, assim procuro definir a minha pintura”. A exposição foi um sucesso vendeu um bom número de telas e isto a encorajou a continuar pintando e pensar em mostrar outras obras. Foi quando o galerista e homem do comércio o Nino Nogueira chamou para expor em 2006, na rua da Paciência, 259, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. A exposição aconteceu de 23 de maio a 23 de junho de 2006 e deu o nome de Mixórdia e encontramos no dicionário Michaelis que mixórdia é um substantivo feminino que significa “mistura de coisas variadas; maçarocada, mexerufada, mistifório, salsada, tiborna. 2 Situação confusa ou atrapalhada; balbúrdia, complicação, embrulhada.” Ana Castro explica no convite da exposição que ao definir o título buscou coerência com o que apresentou ao público, ou seja, “uma mistura de vários temas, símbolos e signos diversos, sem muito compromisso com a unidade do conjunto”. Ela imaginou como se fosse uma exposição coletiva de vários artistas pintando cada um ao seu estilo e segundo ela isto pode ser entendido como um reflexo da própria personalidade “onde coexistem várias Anas o tempo todo...”.

Embora nada tenha sido planejado vemos que ela vem mantendo uma sequência de expor de dois em dois anos. Chegamos a 2008 e ela retorna com a exposição Nem Tão Verde Assim, também a convite de Nino Nogueira já em sua galeria/casa de decoração na Rua Timbó,198, no bairro Caminho das Árvores, em Salvador. O convite traz um poema de seu irmão André Castro chamado de Amazônia Burning. Sabemos que Burning significa ardente, queimando. Esta veia poética que também a Ana Castro tem, vem de longe dos seus antepassados porque são parentes do grande poeta baiano Antônio de Castro Alves. O poema: “Ouve o canto metálico estridente/Das mórbidas serras afiadas/E dos seus assombrosos dentes/Cravados em vidas ceifadas. / Vê as veredas abertas repletas / De tocos, multidão de amputados /Das lindas frondosas florestas/Vê seus corpos mutilados. /Sente o cheiro do óleo diesel /Do maldito motor sujo? E o gás venenoso invisível/Cede ao pulso do venal jugo. / Desfruta do luxo morto/Que envaidece a nobre dama/E cobre o burguês conforto/Espoja-se nessa lasciva cama. /Festeja ao redor da fogueira/Da velha árvore ao broto criança/Navega no mar da poeira/ Sepulta qualquer esperança. / Corta precisa, motoserra, a veia/Deita machado, à esmo, incerto/ Que jorre sangue, que sangre a seiva/ Abram-se os veios deste deserto.”

Ana envolvida nas estampas das obras  
e de sua veste na exposição da série
Estampa, de 2010, que fez em sua casa.
 “Como definir uma coisa que não cabe definição? Impressões do cotidiano, natureza viva,
velocidade, luminosos, suavidade da seda, sobreposição de cores, abuso de pincel... Estampa. Minha pintura é entendida pelo olhar. Não consigo explicar com palavras o sentimento e energia transferidos às telas. É visceral, forte e intenso. Uma entrega, uma catarse”, escreveu Ana Castro na sua nova exposição que deu o nome de Estampa, que fez na sua própria casa no Caminho das Árvores. Retirou tudo da sala principal e pendurou suas imensas telas e abriu para receber seus convidados de 9 de novembro 11 de dezembro de 2010. Ela fez esta exposição depois de retornar uma viagem ao Japão, quando teve a oportunidade de conhecer várias cidades e um pouco da cultura do povo japonês. E sua amiga Lígia Aguiar escreveu: “Ao retornar neste ano de uma viagem ao Japão, Ana mudou sem perceber, a sua paleta de cores. Antes, a suavidade imperava em suas diáfanas e delicadas tonalidades. Nas últimas telas a escala tonal revelou-se alta cm fortes pigmentos. Também pudera, ao conviver com o agito da Terra do Sol Nascente, a artista assimilou o ritmo veloz e colorido da sua cultura tradicional, mesclada com a popular modernidade dos mangás, mas conservou a sua integridade. Isso só fez reforçar o conceito inicial da sua proposta”.

Talvez sobre a influência do esposo Clemente Tanajura que é PhD em Meteorologia e estudioso de outros assuntos ligados ao Universo ela mergulhou seu olhar para os corpos celestiais e passou a observar as galáxias, planetas, satélites, estrelas, nebulosas e quasares. Quando fazemos esta observação vemos a pequenez do ser humano diante destes corpos celestiais e de nosso próprio Planeta e a fragilidade da vida. Encantada com as formas e cores pintou uma série de telas com esta temática e denominou de Princípio Uno e decidiu expor na Nino Nogueira Décor, na rua da Paciência, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, isto de 4 de outubro a 20 de outubro de 2012. Num pensamento que o Clemente escreveu com o título de Princípio Uno. Vejamos: Elo de tudo / matéria e antimatéria / éter e espírito/ tempo e espaço/ tudo é diferente / não há nada igual / nunca houve e nunca haverá, /mas tudo é feito da mesma / coisa e tem a mesma origem, /portanto / tudo é igual / TUDO É UM”.

Obra "Cardume", da série Amaromar,
ano de 2017.
A artista Ana Castro nos encanta  novamente ao viajar neste mundo fantástico onde ficamos extasiados quando observamos com cuidado este Universo onde estamos inseridos. Com seu pincel ela passa a nos mostrar as explosões, as cores em profusão, as pequenas partículas , a escuridão, a luminosidade. 
Como escreveu seu saudoso irmão André Castro : "Ana Castro surpreende ao viajar pelo fantástico./Embalada por um pincel,/cavalga as tintas sobre aquarelas e golpeia as telas,/ num doido galope pela imensidão./Na sua pintura ela brinca de  Deus,/ desenha mapas estelares/como se pontilhasse o céu,/ semeando grãos na escuridão,/ rebrilhando sóis, brotando quasares/ que 
solitários vagueiam ao léu./Às vezes ela faz um voo inverso,/ cria histórias fabulosas e pinta estrelas,/ borra nebulosas, constrói seu próprio universo/ e o aprisiona com sua gravidade,/ onde a idade não tem mais idade / e o tempo é só relatividade”.

"Alegria é pra ficar expansiva, dá risadas. Para pintar preciso está nostálgica, com minhas carências e assim me entrego a minha arte. Aluguei uma casa toda de pedra em Igatu. Coloquei um rack no carro e muitas telas e material de pintura. E levei meu cachorro um husky siberiano", disse Ana.Começou a andar muito com seu cachorro e passou a observar as flores, as cachoeiras, os arbustos, etc. Mudou completamente sem sentir a sua maneira de pintar. Passou a pintar mais abstrato. Igatu fica na Chapada Diamantina. Foi um mês enriquecedor e assim fez estas obras mais para o estilo abstracionista.

Ana Castro rindo  com o resultado da série
Natureza Abstrata que expôs em 2014.
Volta a expor em setembro de 2014 na Nino Nogueira Galeria de Arte, na Rua da Paciência, no bairro do Rio Vermelho, em Salvado-Ba com grandes telas em acrílica inspiradas na natureza daí o nome da exposição Natureza Abstrata. Numa total liberdade ela faz uma catarse com a força de suas pinceladas num tema que lhe é muito gratificante porque  tem uma preocupação visceral com a natureza que lhes cerca. Aqui se mostra mais livre para passear pelo branco das telas deixando suas pegadas como se fosse um animal solitário que vai trilhando o seu caminho em busca da sobrevivência. Ana Castro de repente retrata uma árvore frondosa e num passo seguinte encontra umas misteriosas flores vermelhas e em seguida tudo se mistura poeticamente. As obras não têm títulos, deixa ao observador atento nominá-las. Vemos aí a pintura pela pintura na sua verdadeira essência e nossos olhos começam a passear nesta natureza imaginária e virgem , passamos a descobrir coisas , formas e de repente somos interrompidos por espaços escuros. É hora de refletir sobre esta natureza pujante, mas que vem sendo agredida diuturnamente pelo homem com seus instrumentos potentes ou mesmo pelo simples e prejudicial gesto de jogar uma embalagem de plástico onde não deveria.

Instalação "Ilha de Plástico",
 feita de garrafas plásticas e
tiras de alumínio,  da série
 Amaromar, 2017.
Na conversa que tivemos e mesmo no catálogo convite Ana diz que foram morar em Santa Cruz, na Califórnia, Estados Unidos, onde seu esposo foi realizar um trabalho durante um ano de abril de 2013 a abril de 2014 e lá alugaram uma casa. Ela forrou as paredes e o chão e fez um dos ambientes o seu estúdio provisório, isto porque as multas nos contratos de aluguel nos Estados Unidos são significativas por qualquer dano que o inquilino possa ter feito ao imóvel. O tempo ainda estava frio e quando veio a primavera foi uma explosão  com muitas cores e flores. Aquilo lhe tocou de perto porque lá as estações são muito bem definidas. Portanto, enquanto na exposição anterior viajou pelo Cosmo agora com os pés fincados no chão passou a observar e retratar as belezas da terra. Pintou uma série de obras abstratas onde seu gestual é presença forte e lhe permitiu fluir. Revela que não tem a preocupação em seguir parâmetros, movimentos e tendências, porque é uma fiel defensora da liberdade de expressão do artista. Suas obras nos revelam também que Ana Castro dispõe de uma carga de energia muito significativa e assim ela transforma este potencial energético em belas obras para deleite de nossos olhos. São obras abstratas com fortes pinceladas e quando a gente fixa o olhar com mais atenção parece que as formas abstratas estão num constante processo de movimentação. Uma sensação de que ali tem vida, são as flores, as árvores, arbustos, ou seja, a vegetação em sua mais pura concepção plástica.

Ana mostra contentamento ao 
falar  sobre sua trajetória
 no mundo das artes visuais
.
Finalmente em 2017 faz sua última exposição no Palacete das Artes, e muitas outras virão. Esta mostra chamou de Amaromar e  escreveu:

Duas obras da série Nem  Tão Verde Assim,
de 2008, inspiradas na Chapada Diamantina.
“meu coração não é de plástico/ sou água, sou sal/ sou mar”. Também fez outra viagem e imersão desta vez na ilha de Boipeba, na localidade de Moreré. Alugou uma casinha simples e ficou por lá um mês em contato permanente com o mar e as pessoas simples que moram por lá. Passou a ficar incomodada com a poluição principalmente das embalagens plásticas que são jogadas no mar ou nas praias. Inquieta passou a recolher o que podia no entorno da casa onde estava. Com a preocupação que tinha com o meio ambiente com este contato direto passou a pintar várias telas inspiradas nesta agressão aos mares. Foi  pesquisar e descobriu as ilhas de plásticos imensas  que existem poluindo os oceanos e que as maiores em número de cinco tem uma delas tem 1,6 milhões de km2 , dez metros de fundura, pesa 80 mil toneladas e fica entre a Califórnia e o Havai no Oceano Atlântico Norte.

O elefante que antes encatava as crianças
no circo, da série Mixórdia, de 2006.
Também ficou sabendo que os copos plásticos e garrafas jogadas na praia perto da sua casa que tinha alugado eram deixados na praia por garotos que jogavam diariamente futebol ali perto. Foi até o mercado onde eles adquiriam os refrigerantes Dolly e solicitou da atendente que não desse copos plásticos porque eles estavam poluindo a praia. A moça não atendeu o seu pedido e a poluição continuava, daí ela decidiu  recolher as garrafas e copos plásticos. Foi aí que veio a ideia de usar este material em suas obras e assim fez tartarugas, pequenos peixes e até um tubarão com as garrafas e os envolveu com uma liga de alumínio para fazer as formas. Pediu a outras pessoas que juntassem este lixo plástico e recebeu alguns sacos cheios do material. Porém, teve que descartá-los porque alguns estavam com organismos marinhos que apodreceram e ficou um mal cheiro insuportável. Ela escreveu que “nesta exposição me aventuro na construção de esculturas de grande porte feitas de alumínio e do plástico que, inevitavelmente, seriam atirados nos lixões ou no mar.”

A Ana Cristina Paula Leite de Castro nasceu em Salvador no dia vinte e quatro de setembro de 1962. É filha de Hernani Silveira Castro e Ondina Paula Leite de Castro, que foi fundadora do Orfanato Ajuda Social à Criança Desamparada, que ficava no bairro do Rio Vermelho, em Salvador-Bahia, próximo a extinta maternidade Anita Costa, onde chegou a ter 130 crianças assistidas. Ela é arquiteta, artista visual, cenógrafa, designer gráfico, e produtora artística.

                                                       EXPOSIÇÔES    

Bela obra em acrílica sobre tela da série
Amaromar,de 2017, onde a cor amarela
sobressai exuberante.
Em 2022 participou da coletiva Recorte  da Produção Diversa e Contemporânea na Bahia, no Museu Rodin, Palacete das Artes, Salvador-Ba; em 2017 exposição individual Amaromar de pinturas, instalação e esculturas denunciando a poluição dos oceanos. Em 2014 volta a expor individualmente obras baseadas na natureza e deu o nome de Natureza Abstrata, inspirada nas paisagens da Chapada Diamantina, na Nino Nogueira Galeria de Arte, no bairro do Rio Vermelho, e Salvador-Bahia. Em 2013 participou de uma coletiva chamada Pancakes & Booze Art Show, com pinturas em acrílica sobre tela no Mezzanine Galery Jessie St. San Francisco, na Califórnia, Estados Unidos. Em 2012 fez uma individual chamada Princípio
Obra "Hiroshima", da série
Estampa, de 2010, inspirada 
na viagem que fez ao Japão.
Uno inspirada no Universo na Nino Galeria de Arte. Em 2010 volta a expor em Salvador desta vez em sua residência no Caminho das Árvores quando transformou a sala principal numa galeria de arte, com uma individual chamada Estampa com obras inspiradas numa viagem que fez ao Japão. Em 2009 participou de uma coletiva chamada Exposição 2.234 com objeto-madeira e de alumínio, aço carbono no Casarão, no Largo de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador-Ba. Em 2008 volta a expor individualmente na Nino Nogueira Arte Décor, no Caminho das Árvores, com a mostra Nem Tão Verde Assim resultado de sua estadia na Chapada Diamantina. Em 2006 faz a exposição Mixórdia, na Nino Galeria de Arte, no Rio Vermelho, Salvador-Ba, onde mistura figurativo com abstrato que ela chamou de uma mistura desordenada. Em 2005 participa de uma coletiva durante a Semana do Meio Ambiente na Faculdade da UNEB, em Salvador-Ba e finalmente em 2004 expôs individualmente na Miscelânea Chic-Bar, Café e Arte, no Rio Vermelho, Salvador-Ba, quando fez um passeio pelo imaginário. Tem realizado trabalhos de cenografia como assistente e também em voo solo.

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 9 de março de 2024

A ARTE CONCEITUAL DE ALMANDRADE

Almandrade com dois livros de poemas ..

Conheço o artista Almandrade há cerca de quatro décadas e a primeira   imagem que me chega à mente é de um artista estudioso, poeta e uns dos mais intelectualizados artistas da Bahia. Está sempre conectado com as vanguardas que surgem. e questionando as coisas que no seu entendimento poderiam estar melhores e daí segue para às suas argumentações cheias de conteúdos e segurança. Tem uma produção calcada no racional, na economia do traço e tem  criatividade forte, uma percepção grandiosa do espaço e das cores. Cada traço, cada cor, cada ponto dentro da sua composição artística é pensado e visto em busca de soluções. Como ele mesmo me disse "a obra de arte nunca está pronta. Sempre temos algo a fazer, como se fosse um exercício interminável." Por isto que ele se diverte com as opiniões mesmo àquelas mais ingênuas diante de suas obras quando ouve por exemplo : Ah esta é fácil de fazer. Até eu faço. Certamente quem diz isto não consegue fazer. Ele começou como figurativo e chegou à arte conceitual onde está até hoje  e talvez por ser arquiteto isto pode inconscientemente ter influenciado. É um dos pioneiros na Bahia a abraçar este movimento artístico porque já produzia  nos anos 70  numa Salvador distante de absorver este tipo de arte. Agora mais  reflexivo e maduro Almandrade  está no auge da sua criação.

Obra Cidade Invisível,
em acrílica sobre tela , 1995
.
O Almandrade hoje é um artista reconhecido por sua obra com mais de cinquenta anos de carreira vem pautando a produção  no uso de diferentes mídias desde a poesia visual, a instalação, pintura, escultura e desenho.  Vemos nesta sua trajetória uma condição importante que é a coerência da sua criação iniciada nos anos 70. Mesmo naquela época quando a arte conceitual ainda não tinha uma aceitação de público, era uma espécie de nicho, apreciada por alguns intelectuais e pessoas mais informadas ele continuava criando e lutando para expor o que estava produzindo. Esta corrente da arte surgiu nos anos 60 quando alguns artistas abriram mão do formalismo e dos objetos para se concentrar em conceitos e ideias como revela o próprio nome do movimento.

Obra em acrílica sobre tela  com  
a predominância da cor rosa.

.O Antônio Luiz Morais de Andrade é filho de Ovídio José de Andrade e Helena Morais de Andrade, nasceu na cidade de São Felipe, Bahia, no dia 12 de maio   de 1953. Cursou o primário e o ginasial em sua cidade natal e em 1970 veio para Salvador onde foi estudar o segundo grau no Colégio Central mais conhecido por Colégio da Bahia, no bairro de Nazaré, onde permaneceu até 1973. Fez o vestibular para a Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Lembra da primeira greve convocada pelos estudantes contra o regime militar em 1975. Naquela época se discutia muito a necessidade de melhoria do ensino em todos os níveis e também se lutava pelas liberdades individuais. Não teve uma participação ativa no movimento estudantil. Nesta época passou a se interessar pela poesia concreta e pelo movimento concretista que surgiu entre o Rio de Janeiro e São Paulo com o Augusto de Campos e Décio Pignatari e outros artistas. 

Almandrade, o poeta Raimar 
Rastelly e o Erthos Albino
de Souza, anos 80.
Aqui conheceu um intelectual que era engenheiro da Petrobras o mineiro Erthos Albino de Souza que era um entusiasta do movimento e inclusive contribuía financeiramente para o seu desenvolvimento em nosso país. Ele morava no bairro da Barra e seu apartamento era uma espécie de  centro cultural onde se reuniam muitos intelectuais. Erthos recebia várias  publicações de vanguarda e sempre fazia reuniões para conversar sobre poesia e outros assuntos culturais. Tinha também uma boa biblioteca que era um ponto de referência. Até o poeta e escritor Antônio Risério também frequentava. Em 1973 conheceu pessoalmente o Décio Pignatari e Augusto de Campos que vieram a Salvador e ficaram hospedados no apartamento do Erthos Albino de Souza . “Me identifiquei mais com o Décio Pignatari que era mais aberto e conversava sobre qualquer assunto e sempre tinha algo de inteligente a dizer sobre qualquer tema”, disse Almandrade. Na época não tinha internet e nem a facilidade e o hábito  de documentar com fotografias os encontros . Veja você que ele não lembra de algum  registro fotográfico da visita do Décio Pignatari e o Augusto de Campos.  ao apartamento do Erthos.

Sempre participou dos movimentos  
de vanguarda aqui e no sul do país.
O movimento de arte concreta apareceu no início do século XX na Europa e se espalhou pelo mundo com os artistas usando elementos próprios das linguagens como planos e cores. Em seguida passaram a trabalhar com superfícies, sons, silêncios e enquadramentos cenográficos dentre outros. Entende Almandrade que não existe uma arte pura depois de tantos movimentos e influências. "A arte que faço é pautada em três eixos a arte construtiva, a visualidade da poesia e a arte conceitual." Portanto desde 1973 que vinha trabalhando neste estilo da arte conceitual e além da pintura e do desenho fazendo também poesia concreta. Ia mais para o Rio de Janeiro e se aproximou  do Décio Pignatari com quem se identificou e chegou a dizer que ela era mais generoso com os jovens artistas. Conheceu alguns artistas hoje de fama internacional como o Tunga, Cildo Meireles, Lygia Pape, Hélio Oiticica, dentre outros. Ele diz que naquela época a arte que eles faziam não tinha esta ênfase de hoje no mercado, era tudo muito restrito. Atualmente abriu mais um pouco  a partir dos anos oitenta para cá. "Eu particularmente não tinha uma ligação grande com o mercado de arte. Minha trajetória sempre foi mais ligada às instituições culturais. Fiz exposições no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal e em vários museus. Não tinha acesso ao mercado, porém a partir dos anos 2014 a 2015 começou o interesse do mercado por meu trabalho. Foi aí que comecei a trabalhar com uma galeria de São Paulo que mostrou interesse”, confessa Alaandrade. Ultimamente algumas galerias tem mostrado interesse e vendeu para um museu do México, e também para uma galeria em Miami. Portanto, hoje ele disse que não pode se queixar do mercado porque a arte que ele faz está tendo boa aceitação e espera que este interesse continue crescendo. "Não daria para sobreviver apenas da minha arte." Sempre trabalhou como arquiteto desde o ano de 1978 quando se formou. Trabalhou  durante vinte e três anos na OCEPLAN que era o órgão de planejamento urbano da Prefeitura de Salvador, também no Estado e depois para a Fundação Gregório de Matos onde se aposentou como arquiteto.

Objeto em acrílica sobre 
madeira, 2019.
A última exposição que fez foi na Galeria Zielinsky, em Barcelona, Espanha, que pertence a um casal de galeristas de Porto Alegre, que tem esta filial na Espanha. Na Expoarte, em São Paulo, onde expôs alguns trabalhos eles conheceram suas obras e ficaram interessados. Foi aí que lhe convidaram para esta exposição que termina agora em março. Confessa que é um pouco lento, e que diariamente vem ao ateliê e faz uma academia de mentira com uns exercícios que garantam pelo menos fazer um bom teste de esforço quando for ao cardiologista, diz brincando. Aí sempre está desenhando ou pintando alguma coisa. Mas, não é uma coisa compulsiva. Demora uma semana às vezes menos para fazer uma pequena tela. Muitas vezes imagina uma coisa não dá certo ou não gosta e arte embora tenha um lado emocional é mais racional. Aí fica imaginado, tudo sem pressa. Diz que  arte tem uma tendência construtiva, mas está baseada em três eixos  a arte construtiva, a visualidade da poesia e a arte conceitual. Depois dos movimentos vanguardistas sempre existe uma tendência da mistura.

Obra "O Silêncio na Janela",
acrílica sobre tela, 1993.
Quando perguntei sobre as reações com sua arte limpa, com poucos traços e elementos geométricos o que já pode observar ele respondeu tranquilamente que as pessoas ficam imaginando coisas e já me perguntaram porque daquele traço, porque coloquei ali aquele quadrado, o que significa etc. São reações as mais diversas e me divirto com isto e até gosto porque estou conseguindo levar as pessoas a pensar, a raciocinar e fazer suas próprias leituras dentro é claro do universo de cada uma. A arte tem esta capacidade de provocar inquietação, eu ficaria triste se minha arte não tivesse esta capacidade de provocar”, respondeu Almandrade.  Já ouvi até algumas dizerem mais ou menos assim adiantou o artista “acho que eu faço uma pintura dessa.” Depois eles mesmos passam a raciocinar e dizem não. Acho que não consigo fazer porque parece que tem um cálculo aí”, aí cai na risada e completa a obra de arte é inacabada e cada um tem uma solução diferente.

                                                                          REFERÊNCIAS

Capa do livro 50 Anos de Arte 
de Almandrade com imagens 
e textos sobre sua obra.
Vários críticos e intelectuais já escreveram sobre a obra de Almandrade inclusive tem um texto que fiz e está reproduzido no livro comemorativo dos seus 50 Anos de Arte que agora reproduzo aqui. Vejamos.

Almandrade

Venho acompanhando a sua trajetória há alguns anos. Ele começou a pintar figurativo e num processo gradual de somar informações desaguou na arte conceitual. Evidente que a sua formação de arquiteto contribuiu para isto de forma definitiva. Nos anos 70 Almandrade já mostrava suas obras, numa Salvador ainda distante de absorver este tipo de arte. Agora ele retorna à pintura com esta mostra, revelando que isto ocorre desde a metade dos anos 90, defendendo que as possibilidades da pintura ainda não se esgotaram. Fiquei feliz em reencontrar um Almandrade cada vez mais reflexivo flexível. A chegada dos anos vai nos pondo com o olhar mais generoso, mais crítico, é verdade, porém, disposto a dialogar, e notar que as diferenças existem e que elas andam e vivem fora do nosso mundo ou dos nossos traços e círculos. O que não podemos abrir mão é da nossa capacidade crítica e de reflexão. Ninguém é proprietário da verdade. Ninguém deve ser condenado por pintar de um jeito ou de outro. Cada um deve se expressar como entender que deve, cabendo ao marchand, ao colecionador, ao crítico e ao próprio mercado prover e enaltecer com seus instrumentos a produção de arte.

Obra Surrealismo, acrílica 
sobre tela, ano 2016.
Àqueles que mesmo com talento, ficaram ou estejam momentaneamente fora do mercado, certamente um dia serão reconhecidos e colocados nos seus devidos lugares. Esta é a marcha da vida, esta é a dinâmica que norteia todas as profissões. Relendo um texto escrito por Almandrade no ano 2000 onde ele defende que:” A independência da obra de arte com relação ao repertório de um público, principalmente a partir da modernidade, criou uma expectativa em torno de sua leitura. Hoje em dia, o artista é solicitado a prestar esclarecimentos sobre o significado de sua obra, como se fosse possível alguma tradução verbal”. Acredito que isto acontece quando o observador não tem informações que lhes assegurem a compreensão da obra de arte. Como estamos num país de pouca leitura, onde a obra de arte ainda é muito limitada a museus, exposições e colecionadores abastados é evidente que existe uma dificuldade quase generalizada, principalmente se você não produz uma arte figurativa de fácil entendimento. A decodificação depende de cada um de nós.  Se fizermos um exercício mandando algumas pessoas lerem um conto, e em seguida solicitarmos que revelem suas interpretações sobre o texto lido vamos ter surpresas agradáveis. E, isto é compreensível e importante pela capacidade de cada uma das pessoas de absorverem e decodificarem ou não as informações ali contidas. É por esta razão que na juventude Almandrade ficava inquieto com a falta de compreensão do público com suas obras.

Almandrade possui uma formação intelectual acima da maioria dos artistas baianos, e isto contribui ainda hoje para aguçar suas inquietações. Ele tem posição firme contra a ditadura do mercado, o que considero compreensível. Também, discordo das regras do mercado e devemos continuar lutando contra elas, porém, o mais importante de tudo isto é que reencontrei um Almandrade maduro, mais compreensivo com as coisas da vida acima de tudo um artista que mesmo enfrentando todas as dificuldades pessoais, interpostas pelo mercado e pela dificuldade de compreensão imediata de sua arte, ele prossegue firme aprimorando a qualidade de sua produção”.

Agora neste novo reencontro vejo o Almandrade mais ainda reflexivo e contido procurando escolher as palavras durante a nossa conversa em seu ateliê no bairro de Ondina. Tudo é clean como sua obra. Poucos móveis, paredes com poucas obras e a inseparável prancheta e no chão uma espécie de lona onde estão tintas e pincéis. É que às vezes ele decide pintar sentado no piso do seu apartamento/ateliê.

Poeta Décio Pignatari
(1927-2012).Foto Google
Já em 1995 o poeta Décio Pignatari escreveu sobre a obra de Almandrade com o título de “Persistência do nudismo abstrato”: Pensei em elementarismo, despojamento, abecedarismo geométricos, mas acabei por optar pela ideia de nudismo abstrato, para tentar caracterizar a postura e a impostação de Almandrade ante suas criações e criaturas sígnicas que hesitam entre bi e a tridimensionalidade, em duas ou três cores, em duas ou três texturas.

A parcimônia desses objetos é franciscanamente contundente, desenhados, designados (designed), composto segundo uma grafia de cartilha, porem enganosamente simplificada e simplista, posto que metafísica. Criam um campo significante que parece rechaçar intrusões extratexto, mesmo quando inclui elemento metafórico in memoriam Dadá.

Meteoritos geométricos do pensamento, taquigrafia precisa de uma claríssima visão cuja totalidade se ofuscou, indício e impressão minimal de um evento artístico-mental ocorrido no panorama ecológico da arte do século XX, como um pássaro em extinção, aparição de ordem inegavelmente metafísica essência e forma divinas (diria Baudelaire) do pássaro nu da poesia e de seus amores decompostos.

Um nudismo Proun (Ele Lissitsky) nos trópicos, lembranças metonímicas do paraíso, graciosas construções-instalações não-habitáveis, amostras quase-duchampescas, quase-vandoesburguesas de um ex-Éden artístico, onde a provável ironia embutida não passa de um meio-sorriso. Esses seres corretam e rigorosamente nus, o olho os colhe por inteiros, como objetos cabíveis num bolso. E há música neles, mas não é sequer de câmara – é de cela, nicho e escrínio: são microtonais, minideogramas sólidos à Scelsi.

O Almandrade capricha nas miniaturas de suas criaturas, cuja nudez, implica mudez, límpido limpamento do olho artístico, já cansado da fantástica história da arte deste século interminável, deste milênio infinito”.

                                                 POETA CONCEITUAL

Almandrade em seu ateliê
durante a  entrevista.
Tem suas poesias publicadas em livros, revistas e outras publicações alternativas. Ele não dá nome aos seus poemas. Apenas começa com seus versos. Aqui reproduzo dois deles:

A presença serene / do mar / entra pela janela / do décimo andar/ a moça nua / e solitária / pinta um barco / se mostra para a baía /namora com as águas / do velho oceano / de Lautrémont.”

NR. “Isidore Lucien Ducasse, mais conhecido pelo pseudónimo literário de Conde de Lautréamont foi um poeta francês nascido no Uruguai, mas que viveu a maior parte da sua vida em França. É o autor dos Cantos de Maldoror e de Poesias. Wikipedia.

Outro poema: “O que diz o visível / na sua obscuridade / segredos que calam / lábios tagarelas. / Sem ruídos, / as alucinações de Bosch / ou a fúria colorida de Van Gogh / exalta o ritmo / dramático do olhar.”

Mais um poema: “A velhice / reflete no espelho / a crueldade do tempo / e uma certeza/ nada é eterno. / O legado / é o acúmulo de saber / projetado na tela / da história.”

                                                                    EXPOSIÇÕES PRINCIPAIS

Convite da exposição no  
Centro Cultural da CEF, 2009.
Tem obras em vários museus e coleções particulares a exemplo do Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Museu de Arte no Rio de Janeiro, Pinacoteca Municipal de São Paulo, Museu Afro de São Paulo, Museu Nacional de Brasília, Museu da Cidade do Salvador (fechado), Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Brazil Golden Art., Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães de Recife, Museu de Arte Abraham Platini, de Natal, Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Fundação Vera |Chaves Barcelos, no Rio Grande do Sul, Museum of Contemporary Art de Chicago, nos Estados Unidos e Museu do México, no México.

Já foi premiado cinco vezes a saber: 1981 – 1º Concurso de Projetos MAM-Bahia; 1982 – 2º Concurso de Projetos MAM -Bahia; 1986 – Prêmio Funarte no XXXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco; 1989 – Prêmio Aquisição no 11º Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro e em 1997 – Prêmio Copene de Cultura e Arte, em Salvador.

    Convite exposição Galeria
Baró Galpão, SP, 2015.
Sua primeira exposição individual foi em 1975 intitulada Poemas Visuais, no Instituto Goethe, Salvador, e retornou nos anos 1977 com Instrumentos de Separação e em 1978 com a mostra Artifícios de Gargalhadas, perfazendo um total de 28 exposições individuais aqui no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba e atualmente está expondo em Barcelona na Galeria Zielisnky.

Quantos às exposições coletivas somam quarenta e três sendo que a primeira foi em 1972 no I Salão Estudantil, no Instituto dos Arquitetos, em Salvador, e a última em 2023 no Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz, em Portugal com a obra “Compaixão-Escritas Poligráficas”. Estas mostras foram realizadas em várias capitais     e cidades brasileiras e no exterior em Portugal, Estados Unidos e Espanha.